Niketche: Uma História de Poligamia

Obra de Paulina Chiziane

Por Leopoldina Fekayamãle

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Niketche é um daqueles livros sempre pertinente, sempre importante de se ler, por isso, é a nossa primeira sugestão de leitura. O livro é da escritora moçambicana Paulina Chiziane, um nome que devíamos reter e levar sempre em conta nas nossas buscas por autoras africanas, pela riqueza literária das suas obras e pela forma como tem dado voz a questões ligadas a vida das mulheres em África no seu trabalho. 

Tal como diz o título, Niketche é uma história de poligamia. E em África, a poligamia é um daqueles assuntos que dá asas a quentes debates sempre que é levantado. Entretanto, a pertinência e a importância do livro não se sustentam apenas no facto de ser uma história sobre poligamia, mas sim, dentre outras coisas, nas várias formas como traz acima as construções socioculturais dos papéis de género, sobre aquilo que deve ser “o papel da mulher” nos diferentes espaços; sobre como impelimos meninas e mulheres ao casamento como uma espécie de tábua de salvação ou de mais valioso troféu – mesmo quando essa tábua ou esse troféu são carregados de espinhos. E, também, é sobre surpresas boas de que vos falarei um pouco mais à frente. 

No geral, o contexto sociocultural da história representa Moçambique, com maior foco em determinadas regiões do país cujos nomes são referidos no livro. Entretanto, ao longo da vossa leitura, não se assustem se nesse contexto lembrarem-se de coisas que acontecem mesmo aí ao pé de vocês, nas diferentes regiões de Angola – “talvez sejam meras coincidências”. Algumas questões culturais e ideológicas ultrapassam fronteiras e se constituem transversais. Por exemplo, a subserviência que culturalmente se exige e se espera das mulheres em relação aos homens dentro do lar, não se restringe ao espaço do livro, não espelha só costumes de regiões de Moçambique, passa por várias outras regiões de África, incluindo Angola. 

A história é contada na primeira pessoa por Rami, a protagonista do enredo, que em determinado momento da sua vida se percebe imersa em uma rotina onde lidar com várias angústias torna-se o seu pão de cada dia. Essas angústias são causadas por Toni, o marido que é polígamo, tendo outras quatro mulheres. As vivências de Rami cruzam-se com as vivências das outras mulheres do seu marido. Essas vivências espelham as várias nuances dos papéis de género, nas suas formas mais nocivas. Ademais, essas vivências espelham como muitas das coisas que nos são ensinadas sobre “ser uma boa mulher”, no fundo, nos desgastam, machucam, asfixiam e destroem-nos aos poucos. Ainda, as mesmas vivências demonstram como a luta para corresponder aos ideais de “ser uma boa mulher” faz-nos permanecer em relacionamentos abusivos, onde o que menos se tem é amor.

No entanto, Niketche não é só sobre angústias. Não é uma leitura que nos traz só reflexões sobre como muitas construções socioculturais dos papéis de género são nocivas para meninas e mulheres. É esta a surpresa de que vos falei mais atrás: a meio da narrativa, acontece uma reviravolta na vida de Rami e das outras mulheres do seu marido por meio da união entre elas. Passamos, assim, por uma leitura que também nos permite ver como a cooperação entre as mulheres pode mudar muitas coisas na sua situação social: pode incentivá-las a reescreverem as suas histórias de vida. Deste modo, fica acentuada a força da sororidade entre mulheres!

Por fim, o livro é um lembrete de que não temos de ser só as mulheres que os nossos contextos sociais, políticos, religiosos e culturais definem ou esperam que sejamos; não temos de ser só as mulheres criadas para satisfazer as expectativas, os sonhos e os desejos dos outros; não temos de ser só as mulheres que vivem à sombra da vontade dos outros. Podemos ser mais do que tudo isso: sermos livres, sonhar alto, tomar as rédeas das nossas vidas e escolher os nossos próprios caminhos. Podemos trabalhar juntas para mudar as estruturas que insistem em relegar-nos a papéis de subserviência e construir novas formas de ser e estar no mundo, que não incluam nenhum tipo de violência.        

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