A paz também passa pelo fim da violência contra as mulheres

Imagem: Selma Fernandes (c) 2014

Imagem: Selma Fernandes (c) 2014

POR CECÍLIA KITOMBE

Durante os meses de março e abril, acompanhei através dos órgãos de comunicação social muitos casos de violência contra a mulher, sobretudo a violência sexual. Quero aqui manifestar a minha indignação para com alguns dos que me chamaram à atenção.

Primeiramente, realço os casos de duas mulheres que foram violentadas sexualmente por oficiais da Polícia Nacional, na província de Benguela, município do Lobito, e em Luanda, no distrito da Ilha de Luanda. Para além destes casos de violência sexual perpetuados por quem tem a missão de garantir a segurança pública das mulheres, enquanto ente do Estado, marcaram-me ainda os três casos de violência sexual seguidos de morte que ocorreram no município do Cazenga, no bairro denominado “Papa Simão”, em que foram vítimas três mulheres com idades compreendidas entre os 18 e 28 anos.

O que me ocorre neste momento é um sentimento de impotência e insegurança, porque quando descortinamos a violência sexual ocorrida nos casos acima expostos, percebemos alguns elementos comuns: a) foram mulheres no auge da sua juventude, que viram seus sonhos e objectivos interrompidos pela ausência de uma sociedade segura para meninas e mulheres; b) foram cidadãs angolanas que necessitavam de segurança e protecção por parte do Estado, da sociedade e da comunidade local; c) as referidas mulheres foram violadas e até mortas por homens que, no exercício de uma forma violenta de masculinidade, exerceram o poder físico (força) para dominar, estrangular, objectificar e desumanizar o corpo de mulheres.

O cenário actual nos possibilita analisar que o estupro não é uma acção de homens “anormais” ou “desviantes”, mas uma acção que advém de uma estrutura social desigual, em que muitos homens ainda são socializados no sentido de alçarem a sua força e objectificarem as mulheres e seus corpos. Por isso, ela não é uma forma de satisfação sexual, mas sim de legitimação do domínio patriarcal. Deste modo, somos chamados a enfrentar e lutar quotidiamente pela eliminação da cultura de estupro no seio da sociedade e a exigir do Estado a criação de mecanismos eficazes e justos de respostas às demandas das mulheres.

Quero aproveitar este mês de Abril, reconhecido institucionalmente como o mês da paz, para trazer ao de cima as violências sistemáticas e diversificadas que as mulheres sofrem, com algum enfoque na violência sexual. A mesma ocorreu no tempo da guerra em diversos contextos, onde mulheres eram exploradas sexualmente quando mantidas em cativeiros. A Guerra Civil foi um momento difícil na história do país. Com ela agudizou-se a vulnerabilidade das mulheres (analfabetismo, fome, desemprego, violência e etc.), sendo que muitas tiveram que assumir a subsistência familiar através da viuvez, da fuga à paternidade e até aos dias de hoje muitas famílias vivem as consequências da mesma.

Discorri sobre as questões acima não para relembrar a guerra, mas para encetar uma reflexão em torno da violência contra as mulheres, que nos possibilite repensar a paz social, reconfigurar o “papel” das mulheres no seio da sociedade, assim como demonstrar a incapacidade das estruturas sociais existentes para a protecção social dos direitos das mulheres. Portanto, a paz não deve ser entendida apenas como o calar das armas, ou seja, a ausência de conflito armado, mas sim como um processo que deve promover os direitos e garantias dos cidadãos e cidadãs em sociedade, onde a convivência harmoniosa é um compromisso assumido individual e colectivamente.

A construção da paz pressupõe a criação de condições para todas as franjas da sociedade. Infelizmente assistimos à insegurança, ao medo, e à intimidação das mulheres face aos comportamentos machistas propiciados pela sociedade e muitas vezes pelos órgãos de segurança do país.

Diante do cenário acima, há várias questões que vêm a reflexão, tais como: como eliminar a violência sexual e mortes de mulheres decorrentes das relações sociais de dominação e exacerbação de um género em relação ao outro? Como garantir que o Estado angolano dê respostas consistentes e duradouras às violações sexuais e assassinatos a que as mulheres são submetidas? Como eliminar a onda de criminalidade que afecta vezes sem conta a vida das mulheres e famílias angolanas? Como propiciar um ambiente seguro para todas as meninas e mulheres de Angola? Como trabalhar a paz social e psicológica, num contexto de tanta vulnerabilidade social? São tantas as questões que pessoalmente confesso-vos que fico apreensiva sobre o futuro das mulheres e meninas em Angola, caso as instituições sociais não integrem esforços de combate acérrimo à violência sexual (estupro) contra as mulheres.

Considero que a violência sexual se combate com denúncias, leis de protecção aos direitos das mulheres mas, acima de tudo, com uma aposta na educação emancipatória, na criação de condições nas estruturas de atendimento às vitimas de violência, capazes de dar respostas às demandas das mulheres independentemente do status quo, classe, credo religioso ou etnia. Porque não basta denunciar a violação: precisamos criar um sistema educativo, judicial e de saúde inclusivo, capaz de estabelecer uma aproximação humanizante com as vítimas, com as famílias e com a sociedade, em torno da resolução da violência. Desta forma, estaremos a propiciar um ambiente de paz, fraternidade e solidariedade social.

Aflorar que a construção da paz social passa também pela criação de espaços e cidades acessíveis para todos e todas com segurança, onde, por exemplo, as mulheres possam aceder aos espaços públicos, erguer as suas vozes sem medo do assédio, retaliação ou estupro, pelo simples facto de serem mulheres; onde o direito à vida, ao respeito e à integridade física não se questionem por constituírem os valores da paz. 

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