Não questionem vítimas: questionem os agressores, questionem o patriarcado!

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POR LEOPOLDINA FEKAYAMÃLE

A onda de violência contra as mulheres continua. E o desespero aumenta. E infelizmente a nossa memória colectiva, muitas vezes curta, só se lembra quando aparecem casos mediáticos. No passado dia 20 de Fevereiro, veio a público a notícia da morte de uma ex-jornalista da Radio Nacional de Angola. Maria, a jornalista, foi morta pelo marido, pelo MARIDO. No portal de notícias Novo Jornal[1], onde também se reportou este caso, havia na mesma matéria outra referência a três outros casos de morte de mulheres que tinham ocorrido três dias antes deste, tudo em contexto de violência doméstica.

No mesmo dia, 20 de Fevereiro, o programa Fala Angola da TV Zimbo, noticiou outro caso de uma mulher que foi morta e uma menina que foi estuprada. E aqui importa pontuar que neste programa, entre duas a três vezes por semana, reportam-se sempre casos de violência de todo o tipo contra as mulheres. Na sequência destas notícias, claro que surgiram alguns pronunciamentos e indignações, pessoas foram partilhando as notícias, sobretudo nas redes sociais.

Porém, nestes pronunciamentos, partilhas e conversas – acerca destes casos específicos e de outros – verificamos sempre um grande número de pessoas a questionarem as vítimas e a deixarem de lado o opressor.

Da vítima todo mundo fala, todo mundo tem alguma coisa a dizer, seja para prestar solidariedade ou para – em grande medida – questionar a conduta, dizer que deviam ter mais cuidado e, não poucas vezes, dizer que mereceram a agressão ou a morte de que foram alvos.

Não conseguimos pensar ou simplesmente ignoramos que focar na vítima invisibiliza o opressor e não nos permite questionar a fundo as bases de toda a violência a que meninas e mulheres têm sido alvos. Não conseguimos pensar que questionar a vítima durante 1h inteira sem sequer nos lembrarmos do opressor por um minuto, faz-nos esquecer que existe uma pessoa que se achou no direito de agredir outra. E esta pessoa que agrediu permanece num canto, ofuscada, a representar todo um sistema de crenças e valores que diz “mulheres são seres que devem submissão e quando não cumprem com isto devem ser corrigidas”.

Os casos de violência doméstica, sexual e as mortes frequentes espelham o que temos vindo a dizer: há um problema enorme de consciência e noção de papéis de género que precisa ser pensado e solucionado. O que feministas têm vindo a dizer é que estes papéis de género que definiram o homem como a “cabeça”, o que domina, manda e tem direitos sobre o corpo da mulher têm perpetuado violência. Por outro lado, os papéis de submissão e subserviência que foram definidos para as mulheres e que são rigorosamente fiscalizados para que estas os mantenham, contribuem muito para que as mesmas permaneçam em relacionamentos abusivos e violentos.

Não são as vítimas, meninas e mulheres, que têm de ser cobradas, questionadas e postas em dúvida por causa do agressor.
São os agressores que têm de ser responsabilizados.

É o sistema de dominação masculina que tem de acabar e dar lugar à equidade. Questionar as vítimas é contribuir para legitimar o opressor e isto não acaba com a violência.

Que o agressor preste contas à lei penal é muito importante, que o agressor seja punido segundo a lei é necessário sim. Mas que não nos esqueçamos que o problema é bem maior. É preciso deixarmos de reduzi-lo ao cumprimento de penas privativas de liberdade por parte dos agressores e passar a analisar mais a fundo estes comportamentos, que têm base nas crenças instituídas pelo sistema de dominação masculina que nos circunda a todos – o patriarcado.

Homens batem, estupram e matam mulheres porque se acham no direito de o fazer, não porque são doentes mentais. Não são crimes passionais, como a maior parte das narrativas dizem. É importante pararmos de reduzir o problema da violência frequente contra as mulheres a “questões passionais”. Mulheres mesmo quando cumprem com os papéis de submissão que lhes são incutidos, não deixam de ser alvos de violência. A violência acontece devido ao facto de estar tão enraizada a crença de que mulheres pertencem e devem ser subservientes aos homens, e de que estes têm a última palavra sobre elas. 

Portanto, que se questionem os agressores, que se questione o sistema patriarcal, que se questionem os papéis de género, que se elimine desde as mais profundas formas de discriminação, opressão e repressão contra as mulheres. Que se invista numa educação para a equidade, para a liberdade, para a justiça a todos os níveis. Aí, sim, estaremos contribuindo para um presente e um futuro onde meninas e mulheres deixem de ser vistas como sujeitos secundários.

Ah, e respeitem as vítimas, todo o sofrimento por que muitas passaram já é doloroso demais. Elas não precisam de mais comentários de quem não ajuda em nada para aumentar na dor de terem sofrido por não terem feito, absolutamente, nada! Foquem nos agressores!

[1] http://www.novojornal.co.ao/sociedade/interior/violencia-contra-mulheres-aumentou-19-com-luanda-no-topo-das-estatisticas-67873.html

https://opais.co.ao./index.php/2019/02/21/tres-mulheres-espancadas-ate-a-morte-em-tres-dias

 

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