Lugar de escrita - Maame

OBRA DE JESSICA GEORGE

Por Tabitha Dorcas

Jessica George é uma autora britânica de origem ganense. Estudou Literatura Inglesa na Universidade de Sheffield, depois de ter trabalhado numa agência literária, num teatro, e num departamento editorial da Bloomsbury UK. Esteve, por isso, ligada à área de produção literária com alguma frequência. Maame, o seu primeiro romance, estreou-se como bestseller (livro mais vendido e popular) do New York Times e recebeu excelentes críticas por parte de várias publicações e de outros autores.

Neste romance, ficamos a conhecer Maddie que é uma jovem britânica de origem ganense de 25 anos, que passa a maior parte do seu tempo a cuidar do pai em sofrimento com a doença de Parkinson. Sua mãe passa mais tempo no Gana a cuidar dos negócios e o seu irmão mais velho, James, prefere viver com os amigos do que com a família. A mãe de Maddie a trata por “Maame”, palavra que na sua língua materna “Twi” significa “mulher”, e essa forma de tratamento reflecte as responsabilidades que lhe são atribuídas desde sempre. Maddie divide-se entre o trabalho e o cuidado do pai, mesmo tendo sido contratada uma pessoa para auxiliá-lo e olhar por ele algumas vezes por semana. Ela desconhece a vida social, pois passa mais tempo consultando o Google e tendo conversas consigo mesma.

No princípio, a leitura deste livro pode parecer cansativa devido à rotina pouco entusiasmante de Maddie, no entanto, o leitor aprende paulatinamente a identificar as micro agressões que a protagonista sofre por parte da mãe, do irmão e do seu trabalho enquanto um espaço de maioria branca. Maddie anseia por experimentar coisas normais de jovens da sua idade, sente-se desatualizada e atrasada para tudo, já que ainda vive com o pai e é constantemente pressionada pela mãe para arranjar um companheiro ou um namorado.

A ocasião apresenta-se quando a mãe anuncia que ia ficar um bom tempo na Inglaterra, o que para Maddie significava estar diante da possibilidade de poder sair de casa e viver com outros jovens da sua faixa etária. Finalmente, Maddie estava a um passo de tornar-se independente, então fez uma lista da nova pessoa em que se devia transformar: audaciosa, engraçada, confiante, energética, festeira e fumante – mas sem vícios.  Entretanto, nesse meio tempo de transformação, a nova Maddie é surpreendida com a morte de uma das pessoas mais importantes da sua vida. A partir daí, o luto faz com que ela tenha de lutar para encontrar o seu próprio caminho, vencer a depressão, enfrentar o racismo estrutural que anteriormente ela mal notava ou quando notava culpabilizava a si mesma.

Em meio às fases da vida da protagonista, o livro faz surgir uma série de questões: quem é Maddie fora do seu papel na família? Quem é ela quando não está sendo manipulada, coagida ou financeiramente agredida pela mãe e pelo irmão? Quem é Maddie quando não está em constante preocupação com o bem-estar dos outros, ao ponto de se esquecer do seu? Quem Maddie sem ser a “Maame”: a mulher que carrega as dores dos outros às costas, sem olhar para as próprias feridas? À medida em que se avança na leitura, o leitor passa a desejar que Maddie se encontre e seja feliz, por tudo quanto ela tem lidar na busca pelo autoconhecimento, pela autorrealização, por relações e amores saudáveis, porque se sente que ela merece.

É fácil que nos identifiquemos com Maddie, não exactamente por causa do seu contexto e estilo de vida londrino, mas por conta da relação que existe entre mulheres e o trabalho de cuidado (ou doméstico) dentro das sociedades. No caso dela, em relação ao cuidado a mãe e o irmão fizeram questão de abster-se, o que fez pesar sobre si a responsabilidade de manter a família equilibrada com todos os seus recursos. Enquanto entendia a jornada de Maddie, foi-me difícil não pensar no TUBA!, o Informe produzido anualmente pelo colectivo Ondjango Feminista, cuja edição de 2022 aborda o tema “Mulheres & Cuidado: perspectivas sobre a organização social de um bem público essencial”, que traz reflexões importantíssimas sobre o trabalhado de cuidado e sua pesada influência na vida das meninas e mulheres em Angola.

Numa mistura de dor, humor, paixão, luto, pequenas alegrias e depressão, Jessica George conduz-nos à narrativa da vida de uma jovem mulher com demasiadas responsabilidades e que a cada passo torna-se mais nociva, até que entende precisar tirar o enorme fardo que tinha sobre as costas e curar-se também. A jornada de crescimento de Maddie é emocionante e complexa. É uma jornada que, dentre outras coisas, demonstra-nos ser importante que nós, jovens mulheres africanas, reflitamos no facto de que não é (e não tem de ser) exclusivamente nossa responsabilidade cuidar de tudo e de todos em tempo integral, principalmente quando isso significa anular muito de nós mesmas, dos nossos planos e objectivos na vida.

Lembremo-nos: “existem expressões de amor saudáveis ​​e não saudáveis, ​​e nem todas devem ser aceites.” pág 256.

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