Lugar de escrita - A Beleza das Coisas Frágeis

OBRA DE Taiye Selasi

Por Helga Piçarra

Taiye Selasi, é uma escritora nascida em Londres de origem ganense e nigeriana. Licenciada em relações internacionais pela universidade de Oxford, teve como mentora a escritora norte-americana e vencedora do prémio Nobel Toni Morrison. Já escreveu vários contos entre eles “Uma colher cheia de amor” e “A vida sexual das meninas africanas”, publicados em antologias, na Inglaterra e EUA, sendo que este é o seu primeiro romance.

A Beleza das Coisas Frágeis, foi publicado em 2013, época em que vários autores e autoras africanas ganharam destaque com publicações aclamadas internacionalmente. Este movimento, em parte é caracterizado por uma literatura que retrata a experiência do africano como imigrante, maioritariamente na Europa e na América. O processo de imigrar por si só já acarreta grandes mudanças, e a experiência pode ser mais complexa do que aparenta ser. Assim, por exemplo, ao contrário de Americanah de Chimamanda Ngozi Adichie, onde conhecemos uma perspectiva individual sobre o processo de imigração, em A Beleza das Coisas Frágeis, Taye Selasi conta-nos esta experiência de forma colectiva, mas com uma narrativa muito introspectiva, de uma família de 6 pessoas. 

 Neste livro conhecemos a família Sai, a residir nos EUA, de origem ganense-nigeriana. Nos primeiros capítulos conhecemos Kwako, o patriarca da família, que é um cirurgião ganense, casado com Fola e com quatro filhos. Com uma vida sofrida, marcada por perdas insubstituíveis e pela pobreza, Kwako imigra para os EUA e faz a promessa à sua mãe de voltar ao Gana bem-sucedido, com o compromisso de dar-lhe melhores condições.

 Guiado pela sua determinação e princípios, Kwako é um homem orgulhoso da sua trajetória e é notável como a sua história de vida influencia a forma como demonstrava amor à sua família através do seu trabalho, que lhes permite ter uma vida confortável, para negros emigrantes nos EUA. Entretanto, a premissa de que “é proibido falhar” acaba por ser um denominador comum para os membros desta família. Esta atitude, na minha percepção, retrata muito bem a falta de flexibilidade que é cultivada em muitas famílias, e como pode culminar em certos casos num sentimento de ingratidão e de insatisfação contínua.

 Após um acidente no trabalho, com medo, vergonha e com o sentimento de falta de identidade, pois era bastante apegado ao seu trabalho, Kwako assume que perde o papel de provedor, tem uma atitude desesperada e abandona a sua família.

Estando inseridos numa sociedade com grande influência ocidental, várias vezes, e por questões históricas, somos obrigados a tomar atitudes que não vão de acordo com a nossa índole e com consequências irreparáveis. Neste sentido, apesar de compreender o sentimento de incapacidade do personagem, a percepção que tenho é de que a sua atitude foi demasiado egoísta e inconsequente, pois permitiu que o orgulho lhe cegasse a possibilidade de reconstruir uma outra vida com a sua família, através de uma ferramenta simples e poderosa: comunicação.   

 Sem um trabalho nem suporte financeiro, Fola vê-se desesperada a tomar conta de quatro filhos menores. Fola é uma dona de casa nigeriana, que poderia ter sido advogada, é também uma mulher com uma experiência de vida sofrida e que perde a família durante uma época de conflitos na Nigéria. Eventualmente emigra para a Inglaterra, e revela ser uma estudante com um futuro promissor. Entretanto, já a residir nos EUA, vê em Kwako, a possibilidade de criar a sua própria família, estando disposta a fazer inúmeros sacrifícios pelo sucesso profissional do marido. Após o abandono do marido, vê-se perdida e as escolhas que faz, por vezes não são as mais acertadas. Ainda assim, supera e consegue garantir uma vida digna para si e os seus.

Os filhos crescem e cada um vive a sua história: o mais velho é médico, como o pai; os gémeos – uma menina e um rapaz – um é artista e a outra estudante de direito; e a mais nova é a mais desconectada da família. Olu, o filho mais velho, torna-se cirurgião, como o pai, mas tem um grande medo de abandono, criando involuntariamente um distanciamento emocional com as pessoas, entre estas a sua família. Os gémeos, logo após o abandono do pai, são enviados para o Gana, onde ficam pouco menos de um ano a viver com o irmão de Fola. Esta experiência, principalmente para a menina, é traumática e determina a forma de se relacionar com os outros e essencialmente o empenho na escola, apesar de ser considerada uma aluna promissora, tal como a sua mãe. Já a mais nova, pouco conhece do pai, mas ainda sim não é próxima nem à mãe nem aos irmãos e sofre de transtornos alimentares. Claramente, tanto os filhos quanto Fola, estão traumatizados pelo abandono, e como consequência a família torna-se disfuncional e distante, tanto física como emocionalmente.

 Dividida em 3 partes, a narrativa não é sequencial e por se tratar de uma obra que explora bastante as vulnerabilidades das personagens, deve ser lida com atenção, doutra forma podemos perder-nos. Através desta saga familiar, são abordados temas como a experiência da imigração, as expectativas frustradas, o medo, a vergonha, o abandono parental, a revolta, o regresso a casa e a morte. Taiye Selasi explora ainda, a percepção de um único momento pelo ponto de vista dos vários personagens: antes de deixar a sua família, Kawko dedicava pouco tempo e presença aos seus filhos e ignorava de todas as formas as chamadas de atenção das crianças. Por outro lado, as crianças reconheciam e admiravam o seu pai, entretanto, gostariam de o ter mais presente na vida delas. Mas tantas eram as tentativas falhadas de chamar a sua atenção que acabaram por se cansar e de certa forma interiorizar que mereciam o abandono, pois não eram tão bons quanto ele.

 É um livro com mais profundidade do que aparenta, que desenterra as fragilidades dos personagens desde a infância e as suas ramificações na vida adulta. Como a própria autora diz e muito bem “é a saga de uma família que segue o seu caminho separadamente, que tenta descobrir a sua identidade e que apesar das traições e abandono, ainda sim, consegue provar que existe espaço para o amor e o perdão”.

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