"Em Janeiro o meu filho começou a adoecer, não sabia bem o que era."

POR LAURINDA GOUVEIA

Foto: Laihla Estrela Évora, 2017

Foto: Laihla Estrela Évora, 2017

Completei 20 anos em Janeiro. Sou trabalhadora doméstica há 5 meses, mas antes disso era zungueira.

Comecei a trabalhar como doméstica por causa do meu filho, uma vez que quando vendia, ele ficava muito tempo exposto ao sol. Decidi, então, procurar emprego e comecei a trabalhar numa casa no Cassenda. Como não tinha ninguém para ficar com o meu filho, levava-o para o trabalho, mas a patroa não gostava. Eu não podia deixar o miúdo com a minha avó porque ela não aceitava. O trabalho era cuidar dos cães, limpar as fezes, dar-lhes a comida, arrumar o quarto do patrão, lavar e engomar a roupa. Esse é o meu trabalho diário. Recebo de salário 25 mil Kwanzas. Não é muito, mas já ajuda. O mais importante é o meu filho não ficar exposto ao sol e à poeira, como acontecia antes.

O pai do meu filho não vive comigo. Namorámos e, infelizmente, aconteceu uma gravidez. Nessa altura ele trabalhava na EDEL, mas por causa desta situação de crise, foi despedido, ele e mais alguns colegas. Agora está em casa, sem trabalho. Para além de ter de me virar para assistir o meu filho, ainda tenho de lhe arranjar alguns valores para o ajudar a procurar emprego. Por vezes faz alguns biscates, mas isso nem chega para ele, quanto mais para eu o meu filho?

Vivo na casa do meu avô, com o meu filho. Disseram-me que não posso ir viver com o pai do meu filho antes que ele me faça o pedido.

Em Janeiro o meu filho começou a adoecer, não sabia bem o que era. Como ainda não tinha recebido o salário, falei com o meu patrão, que me disse que estava sem dinheiro. Um vizinho do bairro emprestou-me mil Kwanzas e levei o miúdo ao Centro Hospitalar das Madres. Ainda assim, o dinheiro não chegava e tive de pedir o favor de me cederem a consulta e as análises. O total era dois mil Kwanzas, mas ficou, apenas, por mil. Agora faltava o mais importante, os remédios. Passado um dia, o miúdo estava mais ou menos, mas continuava na luta dos medicamentos. Liguei para o pai do meu filho, que me disse me disse que ia falar com alguns tios para ver se lhe podiam emprestar, mas eles também não tinham.

O avô do meu patrão deu-me dois mil Kwanzas e consegui comprar os comprimidos. Fui-lhe dando a medicação e, uma semana depois, o bebé começou a brincar. Contudo, passados mais alguns dias começou a fazer febre novamente, sendo que o levei mais uma vez ao centro médico. Aí disseram-me que o meu filho estava com falta de sangue e passaram a receita médica. Sempre com as mesmas dificuldades, consegui os valores para os medicamentos. Fui à farmácia e mostrei a receita, mas a funcionária não conseguia entender alguns dos medicamentos que estavam na receita, garantindo que me daria os mais importantes e que assim que eu chegasse a casa poderia começar a medicação. Deu-me um desparasitante, paracetamol em xarope e amoxicilina, também, em xarope.

Assim, logo que cheguei a casa comecei a dar os remédios, mas depois daquela noite o meu filho começou com vómitos, diarreia e chorava muito. Voltei ao centro médico e encaminharam-me para a pediatria, onde me pediram três mil Kwanzas. Tive de sair a correr para pedir dinheiro emprestado ao meu patrão que, graças a Deus, deu-me quatro mil Kwanzas. Entreguei o dinheiro à minha mãe que estava com o meu filho naquele momento. Disseram-me que aqueles  três mil Kwanzas era para procurar a veia do meu filho que não estava aparecer. Questionava-me se era para lhe dar sangue, mas os médicos não diziam nada.

Mais tarde, apesar de não aceitar comer, o meu filho começou a brincar um pouco. Mas eu estava a achar um pouco estranho o facto de ela estar a olhar sempre para o mesmo sítio, e sempre que lhe mudava, ele voltava para a mesma posição. A minha mãe disse para deixá-lo olhar. À meia-noite, mandaram-me sair a mim e à minha mãe da sala, alegando que iam levar o meu filho para outro sítio, mas era mentira. Depois de alguns segundos disseram-me que o meu filho estava morto.

Não acreditei no que tinha acabado de acontecer. Perguntava-me onde é que eu tinha errado. Depois pensei na receita e nos os comprimidos que a senhora da farmácia não estava a compreender. Era o quartem, o mais importante. Sei que se não fosse esse desamparo por parte da farmacêutica e dos médicos, que nada fizeram, o meu bebé estaria aqui do meu lado. Mas eu acreditei no que a farmacêutica disse, e vendo aflição do meu filho, pensei que os comprimidos mais importantes eram os que ele estava tomar, mas não... ele piorou. Chego, por vezes, a pensar que foi negligência minha, porque se eu procurasse outra farmácia, as coisas teriam sido diferentes. Sinto-me muito sozinha. O meu filho alegrava-me bastante e motivava-me a continuar a lutar.  

 

ANÁLISE

Os cuidados de saúde precários da nossa Luanda continuam a matar pessoas. Neste caso, em particular, foi a falta de formação da farmacêutica que levou a vida do filho da jovem Maria. De facto, muitas farmácias admitem pessoas sem formação na área, que, por conseguinte, não sabem que os medicamentos podem ter vários efeitos, sendo que quando são mal administrados, podem resultar na morte dos doentes.

Este tipo de situações resultam do facto de o Governo não dar o devido tratamento ao sector da saúde. É só vermos os escassos e senão, quase inexistentes, investimentos que são feitos nessa área. Por outro lado, é preciso não esquecer a questão da educação, porque ambas as áreas estão relacionadas entre si.

O Governo deve repensar que tipo de tratamento pretende dar a estas questões. E que destino quer dar à população angolana... se a vida ou a morte. A verdade é que os médicos e outros técnicos de saúde são, muitas vezes, negligentes e o dinheiro que as pessoas têm de “pagar” para verem a sua situação resolvida não é suficiente para a sua sobrevivência, como aconteceu com o filho da jovem Maria.

Para alterar este quadro é preciso fiscalizar, é preciso estar por dentro das condições em que se encontram os hospitais no nosso país, para a falta de recursos e para as necessidades que os cidadãos passam.  

***

Este relato foi feito ao Ondjango Feminista e é publicado com a devida autorização da pessoa suja história partilhamos. A transcrição foi feita por quem assina este texto. Por ser relatado na primeira pessoa, primamos por escrever as palavras como as ouvimos, sendo que o texto é apresentado em linguagem corrente e eventualmente poderão surgir gírias, expressões em línguas nacionais. O Ondjango Feminista reserva o direito de alterar os dados de identidade ou localização com vista à protecção da mulher que nos confiou este momento.

 

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“Parecia trabalho escravo. Entrava às 6h00 e saía às 20h00 e, por vezes, mais tarde ainda”